terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

[leia] O carnaval é um comício dançante

Arnaldo Jabor, O Globo

Já escrevi sobre o carnaval muitas vezes, me repetindo todo ano, porque minha coluna sai nas terças-feiras gordas. Vou escrever sobre o quê? Sobre a corrupção que invade o Brasil todo com seus blocos de sujos? Não dá.

Sempre que penso no carnaval lembro-me dos dias da minha infância. O carnaval chegava aos poucos e não era essa explosão de felicidade maníaca que vemos hoje em dia.

Já se ouviam os primeiros clarins do carnaval na chegada do verão, com as marchinhas tocando no rádio fazendo dueto com as cigarras que cantavam entre as flores vermelhas do flamboyant de minha casa (para onde foram as cigarras pós-modernas?)

Minha primeira lembrança do carnaval era o cheiro do lança-perfume. Até hoje me irrita pensar que baniram essa linda arma da alegria. O lança-perfume era tudo. Havia umas garrafinhas de vidro, frágeis como ampolas, mas o belo símbolo do carnaval era o "Rodouro Metálico". Era um tubo dourado, grosso, que ejetava um fino jato de éter, gelando as costas nuas das adolescentes que se torciam em risos sensuais. O perfume flutuava pelas avenidas como uma nuvem de euforia salpicada de confetes coloridos e rasgada por serpentinas.

O carnaval de hoje parece uma calamidade pública, disputada pelo narcisismo oportunista de burgueses se despindo para aparecer na TV. O carnaval foi deixando de ser dos "foliões" para ser um espetáculo para os outros; o carnaval deixou de ser vivido para ser olhado.

Não há mais músicas de carnaval - notaram? Temos de recorrer às marchinhas e aos sambas do passado. Mas, quase não precisamos das canções, nesta época convulsa. Só há os corpos, as multidões enlouquecidas.

Quando passam as baterias das escolas, quando uns garotos sambam no pé, ainda vislumbramos os traços de uma beleza antiga. Hoje há os corpos malhados, excessivamente nus, montanhas de bundas se exibindo em uma metáfora de liberdade, pois ninguém tem tanta tesão assim, ninguém é tão livre assim.

Carnaval sempre foi sexo - tudo bem - mas, antes, havia uma doce inibição no ar, havia a suave caretice, uma moralidade mínima, havia clima de amor romântico nos bailes.

Dirão que sou um nostálgico estraga prazeres, mas tenho a sensação de que há uma drástica mudança de rumos neste progresso vertiginoso que nos assola.

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