Documentário conta a história de luta
contra um projeto que pode afetar a vida de 6 mil agricultores familiares na
região
Por Glauco Faria
Região que fica na divisa entre o Ceará e
Rio Grande do Norte, a Chapada do Apodi representa hoje a luta que se trava no
Brasil entre modelos distintos de desenvolvimento, opondo a agricultura
familiar ao agronegócio. Em 1989, o Departamento Nacional de Obras Contra as
Secas (DNOCS) implementou um projeto de irrigação no lado cearense da Chapada,
o que possibilitou a instalação de cinco grandes empresas de fruticultura,
modificando o panorama local. Sem alternativas, boa parte dos pequenos
agricultores que cultivavam a própria terra naquela época trabalham hoje para
as companhias. Além da concentração de terras, o uso em larga escala de
agrotóxicos contaminou canais de irrigação e em cidades como Limoeiro do Norte,
Quixeré e Russas, localizadas no perímetro irrigado, e a incidência de câncer
chega a ser 38% maior do que em outros municípios de porte semelhante.
Cena do documentário de Tiago Carvalho
(Reprodução)
É essa realidade que o documentarista Tiago
Carvalho mostra no filmeChapada do Apodi – morte e vida, produção da
Articulação Nacional de Agroecologia e da VideoSaúde/Fiocruz. Um dos objetivos
é alertar para um projeto semelhante que está sendo desenvolvido pelo DNOCS no
lado potiguar da Chapada, podendo afetar a vida de aproximadamente 6 mil agricultores
familiares que hoje são responsáveis pela produção orgânica de hortaliças,
frutas, cereais, mel e carne caprina. Os trabalhadores reclamam da falta de
diálogo com o poder público para a elaboração do projeto, que prevê o cultivo
de cacau e uva no sertão do Rio Grande do Norte.
Na entrevista abaixo, Carvalho fala sobre
as dificuldades para a realização do documentário e descreve como os
trabalhadores rurais estão se organizando para buscar uma solução que não ponha
em risco sua autonomia. “Os agricultores no RN não são contra a irrigação. São
contra o destino que o DNOCS quer dar a essa água. Além disso, a exemplo do que
tem acontecido nas grandes cidades com as obras para a Copa do Mundo e, no Rio
de Janeiro, para os Jogos Olímpicos, as desapropriações levadas a cabo pelo
DNOCS têm ocorrido de forma autoritária e com indenizações baixíssimas.” Abaixo
da entrevista, confira também o documentário.
Fórum – Como surgiu a ideia de produzir uma
documentário sobre a Chapada do Apodi?
Tiago Carvalho – O documentário faz parte
de uma série de curtas metragens que está sendo produzida pela Articulação
Nacional de Agroecologia (ANA) e a VideoSaúde/Fiocruz que mostra diferentes
expressões da agricultura agroecológica em todo o Brasil. A Chapada do Apodi é
uma referência na produção agroecológica e na convivência com o semiárido e, ao
mesmo tempo, é um território cobiçado pelo agronegócio. Conhecemos a situação
de tensão que existe ali através da ANA e nos pareceu importante documentar o
que está acontecendo. É o momento de nos perguntarmos: que desenvolvimento
queremos? Tivemos o apoio do Fundo Nacional de Solidariedade da Cáritas e da
organização Pão Para o Mundo para realizar o projeto.
Fórum – Quais as principais dificuldades
que você enfrentou para realizar o vídeo? Quanto tempo demorou sua realização?
Carvalho – Nós filmamos com uma equipe
pequena, de apenas três pessoas: eu, o fotógrafo Paulo Castiglioni e o Arthur
Frazão, que fez som e editou o filme. Isso às vezes dificulta o trabalho porque
nos sobrecarrega, mas também tem suas vantagens: ficamos mais próximos das
pessoas que encontramos por lá e perturbamos menos os ambientes em que estamos
filmando. Lamentavelmente não tivemos autorização de nenhuma das empresas de
fruticultura de Limoeiro para filmar nas lavouras. Também não tivemos resposta
do DNOCS. Mas não desistimos de tentar. Vamos procurá-los novamente. Estamos
trabalhando pra continuar a acompanhar essa história e fazer uma versão de 52
minutos. Pra fazer essa versão de 27 minutos, nós filmamos em seis dias e
levamos 4 meses pra editar.
Fórum –
Durante a produção, foi possível verificar se o poder público dá algum tipo de
apoio ou assistência para os agricultores familiares da região? Foi
estabelecido um diálogo com os trabalhadores sobre o projeto do DNOCS?
Carvalho – Os agricultores familiares do
lado potiguar da chapada tiveram acesso a programas governamentais de
assistência técnica, além de contarem com assessoria de organizações não
governamentais e movimentos sociais. O mesmo poder público, contudo, está
disposto a colocar tudo a perder. A principal queixa dos agricultores
familiares da chapada é o fato de não terem sido consultados ou chamados a
contribuir para a elaboração do projeto de irrigação. Os agricultores no RN não
são contra a irrigação. São contra o destino que o DNOCS quer dar a essa água.
Além disso, a exemplo do que tem acontecido nas grandes cidades com as obras
para a Copa do Mundo e, no Rio de Janeiro, para os Jogos Olímpicos, as
desapropriações levadas a cabo pelo DNOCS tem ocorrido de forma autoritária e
com indenizações baixíssimas. Não por acaso, nas últimas semanas 700 famílias
ocuparam um lote desapropriado pelo DNOCS para resistir ao projeto nos termos
em que ele foi apresentado.
Fórum – Como se dá a relação da população
local com as empresas do agronegócio?
Carvalho – No lado potiguar, a população
resiste a sua chegada. No lado cearense, onde o perímetro irrigado existe desde
o fim dos anos 1980, muita gente trabalha para as empresas, seja na aplicação
de veneno, na colheita, em outras funções. Com o correr dos anos, a terra ficou
concentrada nas mãos do agronegócio, então não restam muitas alternativas. Além
disso, a população também se relaciona involuntariamente com as empresas porque
consome a mesma água que serve às lavouras e que está contaminada com
agrotóxico. Segundo uma pesquisa coordenada pela professora Raquel Rigotto, da
UFCE, a ocorrência de casos de câncer em Limoeiro do Norte, Quixeré e Russas
(que são as cidades que o perímetro irrigado alcança) é 38% mais frequente do
que em cidades cearenses de mesma população, mas que não estão expostas a um
volume tão grande de veneno.
Fórum –
De que forma o documentário será distribuído? Há eventos programados para
divulgar a luta dos agricultores familiares da Chapada do Apodi?
Carvalho – O documentário será livremente
distribuído na internet. Cópias em dvd serão doadas a escolas, organizações
comunitárias, sindicatos e ele fará parte do acervo da VideoSaúde. No mais,
pretendemos voltar a Apodi em outubro, quando acontecerá uma caravana de
preparação para o III Encontro Nacional de Agroecologia, para exibir o filme
nas comunidades que filmamos e no acampamento onde estão as 700 famílias que
protestam contra o projeto do DNOCS, que ficou conhecido na região como nada
menos que “Projeto da Morte”. Além disso, queremos seguir acompanhando esses
personagens (e encontrar novos!) pra fazer um filme de 52 minutos e vamos
captar parte dos recursos com crowdfunding. Queremos voltar lá o quanto antes
pra filmar no acampamento. Essa história está só começando.
Fonte: http://revistaforum.com.br/
2 comentários:
CADÊ AS INFORMAÇÕES SOBRE A IDA PARA MOSSORÓ AMANHÃ PARA A REUNIÃO DO CONSUNI. A BATALHA AINDA NÃO ESTÁ PERDIDA. QUEREMOS QUE DIVULGUE SE TERÁ TRANSPORTE PARA IRMOS ATÉ A REITORIA. O PREFEITO JÁ DESISTIU DA LUTA?
A OBRA DA UERN TAMBÉM ESTA TRAVADA, APAGARAM TUDO OU´É CULPA DOS 20 ANOS? ME RESPONDA PREFEITO?
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