quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Um menino traquinas do Apodi

Para  que  inventei  de   mexer  e  remexer  o  baú  de  minhas  saudades ?.  Não  mais que de repente  me  ví  menino   traquino, que  é  o  referencial  nordestinês  para  se definir  menino danado, impulsivo, assassino  libidinoso  de  galinhas  cevadas.  Me  ví  menino  bocó  diante a beleza  da  primeira  professorinha, de  face  rosada  por acentuada  camada  de  "Rouge", espalhando  o  seu  cheiro  característico.

A  pequenina  cidade  acordava  sob  o  auspicioso  som  da  banda  de  música  municipal, irradiando  emoções  em  seus  dobrados  executados  no  patamar  da  Igreja-Matriz  de  São João  Batista  e  Nossa  Sra. da  Conceição, lugar  preferido  para  onde  me  dirigia  aos primeiros  albores  de  radiantes  manhãs.  Deitava-me  na  calçada  e  ficava  olhando  para o alto, em  êxtases  oníricos. O menino  fixava  em  perene  olhar    o  vôo  das  andorinhas, que enfeitava  os  meus  sonhos  em  seus  vôos  rasantes, rabiscando no  azul   do  céu  uma perfeita  e  exímia  sincronia  entre  nuvens  superpostas, enviando-me  recados  fantásticos dos  mistérios  circundantes.  Impregnavam-se em  minha  alma  infantil  um  colorido perfeito de  projetos  inebriantes.

Na  estação  invernosa  o  menino  sonhador  assenhoreava-se  das  biqueiras  da  venerada Igreja-Matriz, que eram as  melhores  goteiras  da  cidade, por onde escoavam  abundantes jorros  d'água,  que  no princípio da  chuva   doíam no  cocoruto, mas  que   à  medida  que aumentava  seu  volume  diminuía  o  impacto  na  pequena  cabeleira, cortada no  estilo militar.

Como  encantavam-me  os  claros  matinais, em seus  primeiros  albores !.  Na  mente do menino  existia  um  mundo  que terminava  logo  após  a  lagoa, entre  os  verdes  carnaubais dos sítios  "Garapa"  e  "Vertentes".  Minha  alma  translúcida   deslizava  mansamente  sobre o  límpido  espelho  d'água  da  Mãe-Lagoa, ornada  pelo  verde  exuberante  de  suas margens.  E  os  sonhos  do  menino  pegavam  carona  nas  canoas  dos  pescadores, acompanhando  o  risco  n'água  deixado  pelo  trajeto  das  humildes  embarcações sertanejas.

As  famosas  conversas  noturnas  alinhavadas  na  calçada  da  casa  de  Sêo  Lulu  Curinga abordavam  histórias  malassombradas,  que  causavam  frio  na  coluna  e  arrepios  no curioso  infante.  O  silente menino  absorvia  os  lances  interessantes  das  histórias  de Trancoso  e  de  Camões, que  em  meu  dialeto-matuto  pronunciava  "Camonge".  Ví, muitas vezes  a  PROCISSÃO DAS  ALMAS, nas  madrugadas  em que o meu  saudoso  pai  me despertava  e me  levava  para  o  antigo prédio onde  funcionava  a  Agência  de  Rendas Fiscais  do  Estado, alí  na  esquina onde  hoje  está  construído  o "Castelinho", do primo Castelo  Torres. Eu via,  ao  longe, alí  pela  rua  Margarida  de  Freitas, imediações da  casa de  Celeste  Marinho, as  supostas  almas  passarem  com  algo aceso  nas  mãos, que  meu pai  me  fazia  acreditar  serem  ossos  das  pernas  acesos  e  carregados  em  procissão pelas almas.  Depois  que  crescí  e  me  fiz  de  gente  descobrí  que  se  tratavam  dos  machantes (Magarefes)  Ussí de  Sêo  João  Tito, seu  irmão  Damião   e  mais  uns  dois  outros, que  se dirigiam  à  matança (Matadouro  público) para  abaterem  seus  caprinos  e  suínos, para posterior venda  no açougue  público.

Ouço, nos  confins  da  esquina  do  tempo  que  lá se  vai, os  dobres  soturnos  dos venerandos  e  vetustos  sinos  da  nossa  amada  Igreja-Matriz, quebrando  o  imenso silêncio da  cidadezinha  ainda  adormecida, na  cadência  monótona  daquelas  escalas, onde  o tempo era  um  denominador-comum, distribuído  aos  pedaços, marcando  a  marcha  do  tempo e do  ciclo  vicioso  da  vida.  Aquele  menino  tinha  a  mente  pautada  pelos  mistérios   dos sonhos, vivendo o  cotidiano das  mesmas  imagens e dos mesmos  sons, sem fazer  nada, num  viver  apático,preguiçoso  e  inútil.  Eu, um  menino  sambudo, magro  feito  sibito baleado, afeito  às  repetitivas  brincadeiras  e  banhos  fortuitos  e  rápidos  de  menino fugitivo do  olhar  fiscalizador do   pai.  Era um  viver  nostálgico  sem fim, de  brincadeiras  de pião, gaiatices, travessuras  e  fuxicos.  Viver  ao  meu  modo  era  e  sempre  será  a  minha filosofia.  E  assim  vou  remexendo os  meus arquivos  memoriais  sempre  bolorentos pelo mofo  das  horas  do  quase  esquecimento. SAUDADES...

Apodi  de  São  João  Batista  e  Nossa  Sra. da  Conceição, aos  09 dias  do  mês  de  Outubro do  ano  de  Jesus  Cristo  de  Dois  mil  e  treze.

Marcos  Pinto  -  Comboieiro  da  saudade.

3 comentários:

Anônimo disse...

Descomedido, demasiado, abusivo e exagerado uso de sinônimos kkkkk.


Escrever é uma arte.

Anônimo disse...

correção, a banda de música não era Municipal, e sim da Fundevap! concordo com o anônimo a cima, que exagerado.

Anônimo disse...

Muito legal , senhor MARCOS PINTO, Me emocionei e lembrei também da minha infância traquina, Pois onde cresci também fiz muita historia!
Realmente o senhor tem muita historia boa pra contar, Queria um dia me sentar numa beira de calçada e escutar as suas verdadeiras historias!!, Seria muito gratificante...! ate a próxima; e num se preocupe com esses comentários de DERR...DOS, deu pra entender muito bem o que o senhor quis dizer!!PARABÉNS!!!!