CANÇÃO DAS MULHERES
Que o outro note quando preciso de silêncio
e não vá embora batendo a porta, mas entenda que não o amarei menos porque
estou quieta.
Que o outro aceite que me preocupo com ele
e não se irrite com minha solicitude, e se ela for excessiva saiba me dizer
isso com delicadeza ou bom humor.
Que o outro perceba minha fragilidade e não
ria de mim, nem se aproveite disso.
Que se eu faço uma bobagem o outro goste um
pouco mais de mim, porque também preciso poder fazer tolices tantas
vezes.
Que se estou apenas cansada o outro não
pense logo que estou nervosa, ou doente, ou agressiva, nem diga que reclamo
demais.
Que o outro sinta quanto me doía a ideia da
perda, e ouse ficar comigo um pouco - em lugar de voltar logo à sua vida.
Que se estou numa fase ruim o outro seja
meu cúmplice, mas sem fazer alarde nem dizendo ''Olha que estou tendo muita paciência
com você!''
Que quando sem querer eu digo uma coisa bem
inadequada diante de mais pessoas, o outro não me exponha nem me
ridicularize.
Que se eventualmente perco a paciência,
perco a graça e perco a compostura, o outro ainda assim me ache linda e me
admire.
Que o outro não me considere sempre
disponível, sempre necessariamente compreensiva, mas me aceite quando não estou
podendo ser nada disso.
Que, finalmente, o outro entenda que mesmo
se às vezes me esforço, não sou, nem devo ser, a mulher-maravilha, mas apenas
uma pessoa: vulnerável e forte, incapaz e gloriosa, assustada e audaciosa - uma
mulher.
Por Lya Luft
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