quinta-feira, 29 de setembro de 2011

[espaço do leitor] Apodi do meu tempo - dá uma saudade (II)

Quando  visito  a  minha  amada  e  nunca  esquecida  terrinha  onde nascí,   sinto-me  como um  noivo que está prestes  a  casar, ansioso, curioso, olhando pra  todos os lados, como se estivesse  a  procurar  uma  emoção  ou  um som, uma imagem  que se perdeu  na  longitude  dos dias  que lá se foram, que  transferí - aliás, transferiram - o meu  pai, minha  residência  para  Mossoró. Tanto é que procuro  nas  paralelas  da  minha  retina  da  saudade  as  imagens, sons  e  lugares  que estão  amalgamados  em  mim como uma  marca  indelével,  que  nem  mesmo  as  cinzas  do tempo conseguirão  turvar  no  espelho  de  minha  alma. O  filme da  minha vida insiste, em consonância  com  as  melodias  do  meu  coração, em  reprisar  as  páginas  da  saudade, com  o eco   de  uma  paixão tonitroante, com  as  multicores da  emoção.  Nessa contextualidade, vejo-me  sentindo  perenes  saudades...

... Dos  toscos  postes  de   iluminação  pública, de  carnaubeira, aroeira  ou  pau  branco, alguns  linheiros  e  outros  tortos, porém  com  a  serventia  que o  tempo  satisfez;

... Dos  morros  de  rapas de  madeiras  das  serrarias de  sêo  Raimundo  Cabral  e  de Sêo  Chico  Assís, pai de Eidim  e  de  Vovô, com  os quais  subíamos  o  morro, descendo como se fôssemos   roladeiras  em disparada, até  chegarmos  ao  rés  do chão, todos  parecendo  um  estranho  e  pequenino  monstro  das  matas;

... Dos  preás  do  reino  da  casa  de dona  Terta, mãe de  Dorinha;

... Dos disparates  de  ignorância   do  mudo  DUDÉ, irmão de  Antão  Moreira, que residia  em  uma  casa  velha, bastante teriorada, vizinho  à  casa  de  sêo  Aurino  Gurgel, ao  lado  da  Igreja-Matriz;

... Das  músicas  transmitidas   pelas  amplificadoras  do  Cine-Odeon, interrompidas  de  vez  em quando  para  que  sêo Altino  Dias  anunciasse   mais  um  filme  em  tecnicolor, ou seja,  cinema  em cores, novidade muito  grande  no  meu Apodi  até  os  anos  de  1971/1972;

... Dos  carões  de  sêo  Manoel  Dantas, antigo  sacristão, que  detestava  ver  meninos  jogando  bola  sobre  a  calçada do  patamar  da  Igreja-Matriz, que  enxotavam-nos   de forma  ruidosa  e  grotesca, mesmo que assistido de razão;

...  De  sêo   Chico  Deodoro -  tio de  Mana  Pinto,  que  enchia-me de  medo  ao  levantar  a  calça  comprida, na  parte  da perna  direita, que  mostrava  amputada  até  a  parte  do  joelho;

... Das  presepadas  de BURG  DENTISTA, sempre  portando consigo alguns  instrumentos  específicos  para  a  extração  de dentes, o que despertava  intenso  clima  de  terror  entre  a  meninada   acostumada  a  passar  pelo gabinete  dentário do mesmo;

... Dos  mudos  de  Elísio  Pinto, primos de  Mana  Pinto;

... Das  subidas  e descidas  nos   degraus  que  levavam  até  o  alto  do CORÊTO  DO  JARDIM;

... Dos  meus  amigos  de  infância  Merson, Elano, Chico e Tarcísio  de  Chico  Paulo, Eidinho  e  Vandinho  de  Sêo Altino  Dias, Jorge  de  dona  Niná, Etinho  de  Lulu  Curinga, Rerissom  de  San-Cler e  outros;

... Dos  saborosos  bolos, suspiros  e  doces  feitos  por  dona  Cotó  e  dona  Maria  José;

... Dos  doidos  MANOEL  DE  ZAQUIEL  BELTRÃO (Ezequiel  Beltrão) e  ANTONIO  MOURA;

... De  sêo  Ciço  Preso, que  se  gabava  comer  de uma  vez  só  duas  rapaduras  pretas,  das grandes,  misturadas com  um  quilo  de  farinha  de  mandioca;

... Dos  banhos  invernais  nos  barreiros  de  sêo  Ademar  Caveja,  pai  de  Fãico  e  Tetéia, ali naquele  local  onde  está  localizada  a  madeireira  São Francisco.  Pasmem!  no  inverno  dava  até  nado.

... Do  sinal  de   que  a  iluminação  pública  seria  interrompida (desligada)  com  um  ligeiro  "piscar", feito  por  sêo Raimundo  da  Luz , pai de  Durreco, geralmente  faltando  15  minutos  para  as  dez  horas da  noite,  o  que  desencadeava  uma  verdadeira  correria  das moças, que  temiam  as  ordens  dos  pais,  que as  advertiam  que  era   para estarem  em  casa  antes  que  as  luzes  da  iluminação  pública  fossem   apagadas;

... Do  mudo  Paulo, da  família  dos  CAETANO, que  vivia  sempre  alí  pela  casa  de  sêo  Chico  Paulo, onde  almoçava e jantava, sendo  certo  que  só  andava  com  uma  bolsa  de  palha  de carnaúba  a  cobrir  suas partes  pudendas - testículos, dado   o  fato  de  ter  sido acometido  por uma doença  que  causa  acúmulo  de  líquidos  nos  testículos, o que  os  torna  volumosos,  passíveis  de  chamar  a atenção;

...Saudade  de  tudo  e  de  todos... É  uma  coisa  que  corrói  por  dentro... Retratos de  felicidades. VIVAS À NÓS APODIENSES!.

Marcos Pinto – Historiador e Presidente da Academia Apodiense de Letras.

2 comentários:

Anônimo disse...

- Marcos Pinto, cê é o cara, é bom lê essas narrativas de tempos de outrora, Marcos,mim lembro que uma noite(cedo) puxei o jogo do bicho no saco, por duas vezes, e o mudo Dudé perdeu ele ficou danado comigo, depois disso nunca mais puxei. Há sim quem bancava era o mudo...DE Elisio, aquele alto magro que tinha uma banca a noite que vivia jogando pilão,quando chegavamos(molecada) ele expusava logo agente,rsrsrs. Eu ia mais o Nego Urubú(Antonio)(Filho de João Mole)ele ia com a caixa de engraxate para engraxar sapatos ali onde funcionava o apodicenter e antes não sei se era Raimundo de Rodolfo ou Galvão sei que a molecada ia pra lá pra ganhar uns bico como engraxate, eram muitos. E corria esse jogo de bicho lá. Tempos bons tinha uns dez anos o cinema já era o novo, vinhamos pra assistir quando meu irmão(Luizinho) não mim botava e o os outros não entravamos, ficavamos atraz de achar uma brecha quando não via, ouvia. os Filmes de Tarzan e faroestes, era tudo na época. Saudades mesmos. Toinho de Zé Abilio.

Briel disse...

Confesso que toda vez que leio os textos do amigo Marcos Pinto me emociono, este grande historiador apodiense nos honra com suas narrativas do passado de Apodi. Conheci quase todos os personagens do texto, até porque somos contemporâneos desse passado recente, apesar de não termos sido do mesmo grupo de amigos na infância, pois Apodi se dividia em dois grupos ou turmas, a "turma de baixo", da qual eu fazia parte, que compreendia da rua João Pessoa até o "beiço da lagoa" e a "turma de cima" da qual fazia parte Marcos, mas convivíamos em harmonia, de vez em quando acontecia uma "arenga", mas era coisa de menino.
O mudo Paulo era também conhecido como "Mudo de Licô" e o mudo de Elisio que gostava de jogos, chamava-se Vicente, foi o maior rival de meu pai (Gabriel fotógrafo) em jogo de damas, mas sempre perdia.
Um forte abraço a todos os apodienses!