segunda-feira, 21 de novembro de 2011

[espaço do leitor] Tipos populares apodienses (II) - Chico de Abília

Relembrar  estes  saudosos  personagens  da  minha  terrinha  amada  é  ver  na  retina  da  alma  e  sentir  as  coisas  agradáveis  à  alma  e  ao  espírito.  É  reviver  o  visual  pitoresco  dos  dias  tranquilos e  dos  costumes  provincianos, de  tempos  idos  que  deixaram  pegadas  de  saudades  encostadas  à  janela  de  um  passado  contagiante.  Quando  indagado  sobre  minha  idade, respondo  de  bate-pronto:  SOU DO TEMPO  EM  QUE  CACHORRO  CORRIA  ATRÁS  DE  CARROS  -  reflexo  de  que  eram  raros  os veículos  na  Apodi (cidade)  do  meu  tempo. Afirmam  alguns  filósofos  detentores  do  "Diploma  da  Vida"  que,  quando  começamos  a  empregar  os  termos " NO  MEU  TEMPO, ou  então,  NAQUELE  TEMPO",  é  porque  estamos  começando  a  ficarmos  velhos.  Já passei  do  segundo  quartel  da  vida,(Considerando uma vida  de  100  anos) o  que  me  dá  a  certeza  de  que  já  estou  ficando  velho.  Insisto  nas  relembranças e  pela  mente  passa  uma  procissão  de  saudade  gotejando  lágrimas.  O  tempo  passando  rápido, a  vida fluindo,  as  coisas  acontecendo  e nós dançando  a  coreografia  existencial  ouvindo  o  dobrar  dos  sinos da  incerteza   na  esquina  da  vida.

Abordemos  o  nosso  saudoso  personagem  CHICO  DE  ABÍLIA.  Tinha  um  andar  maneiroso  e  um  olhar  curioso. De  estatura  mediana.  Andava  devagar.  Tinha  sempre  um  sorrisozinho  nos  lábios  e  um  repente  chistoso  na  ponta  da  língua.  Não  se  sabe  por que  tinha  o  apelido  de  "DA  MOÇA".  O  que  nunca  lhe faltou  foi  uma  anedota,  uma  história  hilariante,  que  ele, com  a  sua  inteligência  fértil   criava  a  qualquer  pretexto, para  satirizar  aquelas  pessoas  com  quem  não  sintonizava  bem.  Encontrei-o  muitas  vezes  no  "Bar  Satélite", lépido  e  fagueiro, "arrodeado"  de  fregueses  que  se  agrupavam  num  revezamento  constante. Para  Chico  de  Abília,  não  existia  companhias  melhores  do  que  a  de  ébrios  inveterados  -  tipos  populares  que  formavam  um  grupo  variado  de  tipos  humanos  de  variadas  tendências.  Os  assuntos  surgiam  e  variavam  de  acordo  com  as  circunstâncias, e  os  seus  participantes  iam, do  "balanço  da  vida  alheia"  à  estórias  engraçadas  alinhavadas  pelo próprio  Chico  de  Abília.  A  irreverência  e  o  humor  faziam  parte  da  sua   personalidade. Não  poupava  ninguém.

Dentre  os  muitos  CAUSOS  protagonizados  pelo  Chico  de  Abília, fui  testemunha  ocular  de  uma  tirada  filosófica  do  mesmo,  que  até  hoje  disparo  em  rir  sozinho, só  em  lembrar-me.  Corria  o  ano  de  1970, em  que  o  nosso  município  passava  por  uma  calamitosa  seca.  Para  diminuir  as  agruras  causadas, o  governo  federal  criou  as  famosas  "Frentes  de  Trabalho",também conhecida  como  "Trabalhos da  Emergência", contratando  pessoas  para  realizarem  serviços  de  mão-de-obra  em  estradas  de  rodagem  e  construção  de  açudes, cujos  trabalhos eram  pagos  em  gêneros  alimentícios, evitando  assim  que  muitas  famílias  perecessem  por  inanição, ou seja, morressem  de  fome.  As  pessoas  que trabalhavam  na  "emergência"  eram  conhecidas  popularmente  como  "Cassacos".   A  famosa  SUDENE (Superintendência  para  o  desenvolvimento  do  Nordeste)  tinha  a  responsabilidade  da  fiscalização  dos  trabalhos  de  mão-de-obra.  Os  funcionários  da  SUDENE  percorriam  os  locais  de  trabalhos  aboletados  em veículos  do  tipo  "RURAL" , da  indústria  automotiva  WYLLYS, posteriormente  comprada  pela  FORD.  Eram, em sua maioria, baianos  -  pretos  retintos.  Tinham  o  "Café  de  Fãico"  como  ponto  de preferência  para  lanharem, sendo  certo  que  Fãico  também  vendia  bebidas  alcoólicas  e  também  refeições  para  almoço.  Em  um  determinado  dia, eis  que  o  presepeiro  CHICO  DE  ABÍLIA  se  encontrava  muito  bem  acomodado  em  um  dos  tamboretes  de  Fãico, "tomando"  umas  "lapadas de cachaça", quando não mais  que  de  repente  estaciona  uma  Rural  da  SUDENE na  frente  do  prédio de  Fãico,  trazendo  quatro  negrões  baianos, cheios  de  pose  e  de  arrogância, para  o  costumeiro  lanche.  Conversa  vai  e  conversa  vem, eis  que  o  "escabriado"  Chico  de  Abília"  solta  uma  indireta  para  os  baianos, ao  que um  deles  "se  tocou"  e  disparou  uma  pergunta  para  Chico  de  Abília:

- Rapaz,  nós  somos  altos  funcionários  da  SUDENE!  Você  sabe  o  que  é  a  SUDENE?

De  bate-pronto  Chico  de  Abília  respondeu  "em  cima  da  bucha":

- Sei  sim!  É  uma  RURAL   preta  com   uma  faixa  branca  pintada  no  meio  com  o  nome  SUDENE,  e  quatro  negrões da   Bahia   cheios de  pose  dentro  dela!.

Ao  ouvirem  a  inteligente  e  satírica  resposta  de  Chico  de  Abília, todos  caíram  em  altas "gargalhadas", o que  fez  com  que  os  baianos  se  retirassem  imediatamente, após  pagarem  seus  lanches, calados  e  desconfiados.  Não  sei  mesmo  explicar  a  afeição  e  a  afinidade  que  me  prende  à   esses  tipos   populares.  São  pessoas  como  nós  outros, que  apenas  desempenham  o seu  papel  no  grande  palco  da  vida, de  uma  maneira  diferente.

CHICO  DE  ABÍLIA  era  irmão  de  Maria  de  Abília, Mundica, Terezinha, Dedé de  Abília, Ritinha, Tião  e  outros que  me  fogem  à  memória  neste  momento.  Era  filho  de  Luiz   Vitor  de  Barros, popularmente  conhecido  como  "SINHÔ  DE  COTA", e  de  dona  ABÍLIA  ROMANA  LEITE.

Marcos Pinto – Historiador e Presidente da Academia Apodiense de Letras.

2 comentários:

Anônimo disse...

chico era um homem que só dizia a verdade não mentia igual os nossos politico de hoje, principalmente os politico de apodi.

luiz anizio.

Briel disse...

O velho Chico de Abília eu o conheci quando estudava na E.E. Prof Antonio Dantas, na qual ele era vigia. Antes do início das aulas e nos intervalos ficávamos ao seu redor para ouvirmos suas estórias e causos, sempre com uma pitada de humor e irreverência, lembro-me também de uma frase que ele costumava dizer quando estava ébrio: "Quem tem medo de cagar não come".