domingo, 2 de julho de 2017

Um momento no instante

Por Marcos Pinto

A redundância esposada no título contextualiza aqueles raros momentos, eternos e eternizastes, alicerçados com tintas indeléveis em nosso âmago. Alguém já afirmou que “o valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem”.  Todos nós temos esse momento no instante, espiritualizando coisas e fatos inexplicáveis.

Quando o sentimento é verdadeiro o menos bom sempre é preenchido pelo melhor. Guardamos na retina da saudade o último adeus de uma pessoa querida, que recebeu o chamado do Supremo Arquiteto do Universo.  Não tenho dúvidas de que é pensando em coisas eternas que sentimos a necessidade premente de transformar nossos momentos em inesquecíveis. É aí, onde a sucessão dos dias alinhava tessituras perfeitas de sonhos e momentos instigantes e irrefreáveis.

Por isso, quando a alma alcançar a concretude dos sonhos, nunca esqueça de olhar ao seu redor para agradecer, em alma, coração e vida a todos aqueles que de alguma maneira te   deram a mão para que pudesse chegar onde você está.  Esse incerto caminhar, rumo ao desconhecido, evidencia que a saudade é o preço que pagamos por ter vivido momentos marcantes, que, às vezes, deixa um último abraço, um último olhar, um último beijo, um último aconchego, uma última observação cheia de acalanto, um último tudo no todo do nosso ansioso ser.

Nunca abra a guarda para que os medos que assomam em seus caminhos lhe impeçam de mergulhar, de forma abissal, nos momentos sublimes, inesquecíveis e inexplicáveis.  Esses medos avassaladores e assustadores podem se transformar em pilares para suas frustrações futuras.  Pautemos nossas vidas semeando a fértil semente do providencial ontem que se faz hoje.

É salutar que nos deixemos insuflar pelos liames invisíveis e infinitos da divina benção, alvorecendo fé no amanhã imensurável e terno.  Por que não entregar ramalhetes de flores com cheiros misteriosos, revelando-se na distância que se faz presença? Por que não resistir às solidões vastas, devoradoras e cheias de pânico?  De nada adianta empreender desabalada fuga à dura realidade de que carregamos conosco uma carga simbólica e social.  Fiquemos atentos para não fomentarmos vinditas letais que envenenam e anulam a alma.

Podemos e devemos formatar um esquecimento, emoldurando-o em um imprescindível e divinal perdão.  Há que se ater a uma perene preocupação em não turvar as águas da vida com as asquerosas tintas da corrupção e das iniquidades.  Deixemos os nossos corações abertos à convivência fraterna, à discussão de temas nobres e edificantes, mantendo a chama do amor em contínua ebulição.

Mesmo diante de nossos contrariados interesses, deixemo-nos dominar pela estima de sermos vistos como radicalmente capazes de conviver com os contrários, sem perder a serenidade.  Não raro, ausculto a arguta e sutil observação prenhe de nitidez espiritual do meu dileto e erudito primo François Silvestre, no que consiste às tentações da carne: “Ao toque das mãos o tremelique em cima e o tição de fogo embaixo”.

É nesse exato momento obsequioso que protagonizo o resvalar para a ribanceira da madrugada dos vira-latas.

Inté!

Marcos Pinto é advogado e escritor.

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