Por
Marcos Pinto.
Já não se
conta o tempo para as enigmáticas pessoas
que encarnam e personificam sombras que sofrem. Só vêem
com os olhos da alma, e por isso sofrem em
súplicas ardentes. Vagueiam por horizontes indefinidos. Viveram
todos os transes, sofrendo todas as dores. Carpem em vida todos os
pecados cometidos, arrostando dúvidas e
dissabores, numa espécie de ritual tétrico
dos que morrem espiritualmente ainda em
vida material. Sombras que sofrem em sobrancerias
desusadas, alçadas aos umbrais da transcendental
dignidade do silêncio. Refletem fé e energia
inquebrantáveis, forjados em momentos angustiosos.
Silêncios que ressoam na alma a melodia das
tétricas notas do golpe fatal.
Já não
vivem o caldeamento das contendas íntimas. Já
não caminham ansiosas para perplexos finais
eletrizantes. Já não vencem e castigam todos
os que se lhes mostrem contrários. Estão
silentes e imersos na sinfonia de
interesses seletivos, pinçados na constância das
virtudes cristãs. São sombras relativamente atordoadas,
porém dignas de crédito no limiar da espiritualidade
vivificante. O sofrimento contingência as emoções,
emoldurando-as em uma espécie de indefinido
e insípido porvir. Entra em cena a
tristeza dominante, assumindo posição diametralmente
oposta ao arrojo do pretérito, tingido com
as imaculadas cores da saudade. Já
não lhes assediam o odor e as minudências
das iniquidades. São sombras pródigas na reprodução do
que ficou congelado na alma do tempo.
A saudade
martirizante dos nossos entes queridos, que
nos antecederam na partida para o plano
espiritual, morde o atroz silêncio das
interrogações. Surge um fugaz otimismo, que esbarra
na célebre frase do celebrado poeta
Crispiniano Neto, sintetizando um retrato de
despedida sem a esperança do retorno: "Sair
sem partir/ ficar quando parte/ a vida
reparte teu peito em metades". Sombras
envoltas em saudades várias, que se distinguem
e se diferenciam na caudal dos
ufanismos divorciados da realidade. Mesmo
espectrais em espirais de tristeza, são
como raios de luz perseguindo a escuridão
da ignorância humana, escondida pelo infame véu
do oportunismo. Não espreitam mais nem
estreitam cumplicidade com almas penadas.
Outrora, protagonistas afoitos e aventureiros. Hoje,
personagens imersos na faixa silente do
esquecimento.
Desapareceram na
poeira do tempo, existindo apenas em relatos
superficiais de alguns raros amigos, ou
apenas em páginas amareladas de livros
esquecidos por seus donos em estantes
desconhecidas. Personificam indagações silenciosas
que, não raro, derivam para o aprendizado
com pecadores desatinados e espasmódicos. Bafejadas
por efêmeros sopros de tenaz ilusão,
emergem de seus tenebrosos recalques e
frustrações, para irem à forra urgente e
sobejamente. Nesse compasso, o remorso corrói-lhes suas
entranhas, fazendo-os sumirem penitentemente em corpo
e alma.
São sombras
que ruminam refluxos de sonhos e
ideais nunca bafejados pelos liames da
concretização. Sob ruidosos baques impostos pelo
famanaz destino, pairam prosternados na condição
de fantasmas do tempo, à espera da
eternidade intermitente e avassaladora. Não
tem como angariarem contraprestação divina, por
não serem detentores do quinhão da
sinceridade devocional. Arquétipos de interesses
escusos, poderão ter um abatimento na
obrigação do pagamento dos pecados, com o
longo decurso dos sofrimentos e tribulações
vividos sob a égide da resignação
silenciosa. Algumas sombras esboçam pérfidas
reações, assoberbando-se de atitudes típicas de
anjos, arcanjos e querubins. Não há como
evitar o descortinar de uma mística
degringolante das ilusões.
O ponto
de equilíbrio entre o sofrimento e a
dor, perenes e presentes nas sombras que
sofrem, surge num revide sem algoz, delineando um
desenlace indicador de que "a morte
nunca é sina. É vida com outro nome".
Inté!
Marcos Pinto é
advogado, historiador e escritor.
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